domingo, 10 de fevereiro de 2008

"Contos"

"(...) - Tu estás morto ou vivo? - perguntou.
O homem encolheu os ombros com lentidão.
-Senhor, não sei... Quem sabe o que é a vida? Quem sabe o que é a morte?
- Mas que queres de mim?
O enforcado, com os longos dedos descarnados, alargou o nó da corda que ainda lhe laçava o pescoço e declarou muito serena e firmemente:
- Senhor, eu tenho de ir convosco a Cabril, onde vós ides.
O cavaleiro estremeceu num tão forte assombro, repuxando as rédeas, que o seu bom cavalo empinou como assombrado também.
- Comigo a Cabril?!...
O homem curvou o espinhaço, a que se viam os ossos todos, mais agudos que o dentes de uma serra, através de um longo rasgão da camisa de estamenha.
- Senhor - suplicou -, não mo negueis. Que eu tenho a receber grande salário se vos fizer grande serviço! (...)"

Eça Queirós, Contos, O Defunto #3.